“A decisão de operar uma criança com escoliose de origem muscular exige um diálogo aberto com os pais, especialmente sob a troca dos riscos de curto prazo pelos benefícios em longo prazo. E nunca é uma decisão fácil. “
Juliano Rodrigues
Imagine uma balança. De um lado, colocamos os benefícios em longo prazo: a promessa de uma melhor função respiratória, alívio da dor, maior independência e qualidade de vida para a criança. Do outro lado, os riscos a curto prazo: a possibilidade de complicações cirúrgicas, a recuperação gradual e a incerteza inerente a qualquer intervenção médica.
Como cirurgião de coluna, compreendo a difícil decisão que os pais enfrentam quando a cirurgia de escoliose neuromuscular é considerada para seus filhos. A escoliose neuromuscular, diferente da escoliose comum, apresenta desafios únicos devido à sua associação com doenças neuromusculares, como paralisia cerebral ou distrofia muscular.
O Objetivo da Cirurgia: Uma Busca por Equilíbrio
O principal objetivo da cirurgia não é apenas corrigir a curvatura da coluna, mas alcançar um equilíbrio entre a qualidade de vida e a progressão da doença. Buscamos:
- Frear a progressão da curva: A escoliose neuromuscular tende a progredir mais rapidamente, podendo levar a deformidades severas que afetam a respiração, o conforto e a independência.
- Preservar a função pulmonar: A curvatura anormal pode comprimir os pulmões, dificultando a respiração e aumentando o risco de problemas respiratórios.
- Aliviar a dor: A escoliose pode causar dor nas costas, pescoço e ombros, impactando a qualidade de vida e o bem-estar da criança.
- Melhorar a postura e o posicionamento: Uma coluna mais ereta facilita a posição sentada, o conforto e a realização de atividades diárias.
A Difícil Decisão: Benefícios a Longo Prazo x Riscos a Curto Prazo
A decisão de operar envolve uma análise cuidadosa dos benefícios em longo prazo e dos riscos a curto prazo, sempre considerando as necessidades individuais de cada criança.
Benefícios em Longo Prazo – Longevidade é a palavra!
Prevenção da deterioração pulmonar: A progressão da escoliose neuromuscular pode levar à compressão dos pulmões e da caixa torácica, comprometendo a função pulmonar e a capacidade respiratória. A cirurgia visa interromper essa progressão, prevenindo a deterioração da função pulmonar ao longo do tempo.
Redução do risco de infecções respiratórias: A compressão pulmonar e a dificuldade respiratória aumentam o risco de infecções respiratórias recorrentes, que podem levar a hospitalizações e prejudicar o desenvolvimento da criança. A cirurgia, ao melhorar a função pulmonar, contribui para a redução do risco dessas infecções.
Alívio da dor: A escoliose neuromuscular pode causar dor nas costas, pescoço e ombros, impactando a qualidade de vida e o bem-estar da criança.
Melhora da postura e do posicionamento: Uma coluna mais ereta e equilibrada facilita a posição sentada, o conforto se a criança já caminha e a realização de atividades diárias que exigem mobilização do tronco.
Prevenção de deformidades progressivas: A progressão da escoliose neuromuscular pode levar a deformidades severas da coluna vertebral, que podem ser incapacitantes e exigir cirurgias mais complexas e de maior risco no futuro. A cirurgia precoce visa interromper essa progressão, prevenindo deformidades mais graves e limitantes.
Redução do risco de intervenções cirúrgicas futuras: Embora a cirurgia de escoliose neuromuscular seja um procedimento complexo, ela pode reduzir a necessidade de cirurgias adicionais no futuro, evitando os riscos e o desgaste físico e emocional associados a múltiplos procedimentos cirúrgicos.
Riscos a Curto Prazo
Complicações cirúrgicas: Como em qualquer cirurgia, existem riscos inerentes, como infecção, sangramento, problemas cardíacos, vasculares e reações alérgicas.
Recuperação gradual: A recuperação da cirurgia de escoliose exige tempo, paciência, fisioterapia e acompanhamento médico regular.
Possibilidade de cirurgias adicionais: Em alguns casos, podem ser necessárias cirurgias adicionais para ajustar a correção ou tratar complicações.
Fatores que Influenciam a Decisão
Gravidade da curva: Curvas maiores e com progressão rápida têm maior probabilidade de exigir cirurgia.
Idade e estado de saúde geral: Crianças mais jovens e com boa saúde geral tendem a ter melhor recuperação.
Presença de comorbidades: Crianças com outras doenças, como problemas cardíacos ou respiratórios, podem ter um risco aumentado de complicações.
Impacto da escoliose na qualidade de vida: Se a escoliose estiver causando dor, dificuldade respiratória, limitando atividades diárias ou impactando o bem-estar emocional da criança, a cirurgia pode ser a melhor opção.

Um Diálogo Aberto e Transparente
A decisão final recai sobre os pais, que carregam o peso da responsabilidade pela saúde e bem-estar do seu filho. É natural que essa responsabilidade gere ansiedade, dúvidas e a busca por segurança em meio à incerteza.
Por isso, é fundamental que os pais se sintam à vontade para expressar suas dúvidas, medos e expectativas. Meu papel, como cirurgião, é fornecer informações claras, honestas e baseadas em evidências científicas para que juntos, possamos tomar a melhor decisão para o seu filho.
Informação clara e compreensível: Esclarecer todas as dúvidas, explicar os procedimentos em detalhes, apresentar os riscos e benefícios de forma clara e compreensível, utilizando linguagem acessível aos pais, é crucial para que eles se sintam seguros para tomar a decisão.
Compartilhamento de expectativas realistas: É importante apresentar expectativas realistas sobre a cirurgia, a recuperação e os resultados a longo prazo, sem minimizar os desafios e as incertezas inerentes ao processo.
Apoio emocional e empatia: A decisão de operar ou não um filho é carregada de emoções. Oferecer apoio emocional, empatia e compreensão aos pais é essencial para que eles se sintam acolhidos e confiantes durante todo o processo.
Lembre-se: A decisão final é dos pais, em conjunto com a equipe médica, sempre buscando o melhor para a criança. Meu papel, como cirurgião, é fornecer todas as ferramentas para que essa decisão seja tomada de forma consciente, informada e com o mínimo de angústia possível.